english (translation) // It is curious to discuss design from a language that does not have a proper word to translate the whole idea. It is a problem that causes some intricate conflicts of definition. More than answering the main question in an objective way, I would like to raise up fragments of recent reflections regarding the subject, to set up a more coherent debate aligned with the uncertain and unpredictable moment that we are currently living in.
Strongly attached to material objects, we generally attribute the meanings of quality, mastery, and desire to design. “Design pieces” are usually understood as the result of creative activity, with excellent quality and unique style. Seen as a final product, these are the outcomes of projects – a word that we do have in the Portuguese dictionary.“Projetar” is defined as “to push forward, to plan, to desire something in the future”. As an architect and urban planner, I understand that our fundamental labour of designing shelter – either as a simple protective surface against the external world or complex human settlements – goes beyond the design of spatial materiality, proportions and functionality. Through projects, architecture and urban design incorporate socio-environmental and political issues, materialising it into the built environment. From raw material, we crystallize and plan distinctive natural relations, creating a relational system of things and thinking.
To understand contemporary design, we should go beyond methods or theories on object production, service or aesthetics. We should also embrace the socio-spatial-ecological relations that surround it. From Arturo Escobar’s argument that ‘everything is design’, I contend that we should include into the design terminology every element present in our living habitat: furniture, clothing, services, communication systems, housing, technologies, cities, food, and raw-material production and the environment. In this manner, we can encompass the hybrid systems that keep ‘societies and natures’ alive.
Anthropocene and its catastrophic related issues have placed humankind at a tipping point regarding its own current paradigms. We are opening a new geological era, in which humankind is considered geological agents, reframing our modern habits as responsible for not only this present scenario but also the apocalyptic future of human life. Facing this unprecedented dilemma, science – although denied by some nowadays – has an important role in this field. The production of future perspectives in regards to climate change, chaos, and the end of the world has become part of the current political ethos, a means to find ways to redesign the world.
In parallel, modern science also faces a contradiction in its knowledge production mode: the climate crisis imposes to science the rupture with its classical division (the physical and human domains). It raises new problems that do not fit in the binary division. To illustrate, recent discoveries suggest that the Amazon Forest is an outcome of indigenous gardening activities, part of ecological relations between communities and the environment. This connection is responsible for the production of fertile soil, essential to the development of the forest. Eurythenes plasticus, one of the recent species cataloged, carries in its scientific name the curious fact that microplastic was found in its belly, even though this animal was found under 6.000m sea level in the Marianas Trench, the deepest place on earth. In Brazil, some of the oil offshores sites came to an end and the decommission assessment infrastructure faces a curious challenge: after long exploratory activities, the platforms became a rich marine ecosystem installed among its underground structures. Initially seen as a critical environmental hazard, the platforms has now become a nature-tech hybrid system integrated into the ecosystem, challenging the existing classification parameters.
The Paris Agreement questions countries’ political-administrative boundaries regarding the global heating challenge. It leads to discussions that somehow draft a planetary governance agenda. This debate is based on the understanding that political societies need to dialogue to achieve their desires for the future. It does not simply comply with management and planning strategies to fulfill some numerical goal, rather it creates the critical thinking that redesigns our paradigms on how politics is done, how spaces are made. Finally, it proposes solutions that, in a scientific and designerly manner, allows us to find alternatives to build possible worlds in this future.
At this moment, we are fighting against a pandemic disturbing almost the whole planet. This phenomenon demonstrates the coverage of global networks. While human systems are collapsing via economic and sanitary crises, the earth systems get some relief, depolluting themselves, reestablishing lost connections. The outputs of this disaster are unforeseeable, not homogeneously distributed, and strong enough to transform the parameters of existence. Almost instantaneously, solutions to adapt and mitigate the damage are implemented. Crisis gives room to innovative systems that cause random externalities. The planet shakes itself aiming for a new stable point.
In this tipping point situation, design is a crucial subject for transitioning into this new way of life on this planet. Not only its strategies and the applied technology but mainly the way we organise ourselves to discuss this common future. The main fields of study that deal with design have the duty to rethink the way we produce, live and consume, hence rethink our existence here. Maybe, the golden spike of this huge transformation begins with the redesign of our common spaces for interaction and co-production of knowledge, such as round tables and open decision-making environments. These are fundamental spaces for discussing distributive conflicts. We are all part of the same planet but in extremely unequal conditions and locations. It is urgent that we critically analyse this reality and how it is the product of our models of existence.
Considering all transformations we have already made in the Earth, we can consider it as a humankind design piece. Now, how can we redesign it?
portuguese (original) // Discutir design a partir de uma língua que não possui uma tradução própria para a palavra é, no mínimo, curioso – podendo causar alguns conflitos de significado intrincados. Mais do que tentar responder à pergunta de maneira objetiva, trago aqui fragmentos de reflexões recentes acerca do tema, a fim de constituir um campo de debate, decorrente do ambiente de incertezas e imprevisibilidade no qual vivemos.
Atribuímos ao design significantes de qualidade, maestria e desejo fortemente relacionados aos objetos materiais. Objetos “de Design” são geralmente assinaturas de um gesto criativo, de excelente qualidade e de estilo único. O “Design” entendido como um produto final é fruto de uma atividade de projeto, palavra mais cuja tradução se aproxima mais do seu significado anglo-saxão. Projetar tem sua definição associada ao ato de “lançar a frente, planejar, desejar algo futuro”. Como arquiteto e urbanista, entendo que a essência primária do nosso ofício de projetar o abrigo – tanto como uma simples proteção contra o mundo exterior ou como complexos aglomerados urbanos – extrapola o desenho do espaço e sua tectônica, proporções e funcionalidade. Através do projeto, o design arquitetônico e urbanístico incorpora as questões socioambientais e políticas do contexto e as materializa no espaço edificado. Através da matéria, concretizamos e tencionamos relações de naturezas distintas, criando um sistema relacional de coisas e pensamentos.
Acredito que entender o Design contemporâneo compreende muito mais do que um simples método ou pensamento acerca da produção de objetos, serviços ou de uma qualidade estética. Devemos compreender enquanto design não só as coisas e seus métodos de produção material, mas também as organizações sócio-espaciais-ecológicas que as circundam. Partindo do entendimento de Arturo Escobar, quem argumenta que “tudo é design”, podemos incorporar ao termo todos os objetos que estão relacionado ao nosso habitar: móveis, vestimentas, serviços, comunicação, moradias, tecnologias, cidades, produção de alimentos e de matéria prima e o meio ambiente em si, englobando, desta forma, sistemas híbridos pelos quais as “sociedades e as naturezas” se mantêm vivos.
O advento do Antropoceno e seus desdobramentos catastróficos colocam a humanidade em um ponto de inflexão a respeito de seus paradigmas constituídos até aqui. Estamos em uma nova era geológica, quando alguns de nossos modos de habitar este planeta estão produzindo um futuro possivelmente desafiador para a espécie humana. Diante desse dilema sem precedentes, a ciência – apesar de muito negada por alguns atualmente – tem um papel fundamental nesta discussão. A produção de cenários futuros dentro da perspectiva das mudanças climáticas, do caos e do fim do mundo deixa de ser uma questão de prognose, integrando-se ao esforço de encontrarmos a maneira política de como queremos redesenhar este mundo.
Paralelamente, a ciência moderna também enfrenta uma contradição em seu modelo de produção de conhecimento. A crise climática, ao trazer um problema que por si só não se encaixa no binário natureza-sociedade, impõe à própria ciência o rompimento de sua divisão clássica dos domínios físicos e humanos. Alguns estudos divulgados recentemente evidenciam o colapso dessa classificação. Por exemplo, descobertas recentes apontam que a Floresta Amazônica é resultado de um “imenso jardim indígena”, fruto das relações ecológicas entre seus povos primitivos e o ambiente, produzindo um solo fértil e dando subsídios para o desenvolvimento da floresta. Outro caso, o Eurythenes plasticus, um dos animais catalogados mais recentemente pela ciência, registra em seu nome científico o fato curioso de conter microplástico em seu estômago, mesmo vivendo a 6.000 metros de profundidade na Fossa das Marianas, local mais profundo do planeta. No Brasil, alguns dos poços de petróleo chegam ao fim e o descomissionamento das estruturas de exploração enfrentam um entrave curioso, uma vez que, após o ciclo de atividade, as plataformas passam a abrigar um rico ecossistema marinho em suas estruturas submersas. O que antes era um grande passivo ambiental, torna-se agora parte importante do sistema, um híbrido de natureza e tecnologia difícil de ser classificado.
O Acordo de Paris coloca em cheque as divisões político-administrativas dos países no que diz respeito aos desafios a serem enfrentados para reduzir o aquecimento global, abrindo discussões para uma escala de governança planetária. A discussão que se inicia, pautada no entendimento de que as sociedades políticas precisam dialogar para cumprir seus desejos para o futuro, não se resume simplesmente a estratégias de gestão e planejamento para cumprimos uma meta numérica, mas sim uma reflexão crítica que remonta os paradigmas de nossos modos de fazer política, produzir espaços, desenhar soluções que, a partir da ciência e do design, ajudem a construir novos mundos possíveis no futuro.
Estamos vivendo uma pandemia, atingindo quase todo o planeta, demonstrando a abrangência da rede produzida pela globalização. Enquanto os sistemas humanos colapsam, através de crises econômicas e sanitárias, os sistemas da terra se aliviam, despoluindo-se, restabelecendo conexões. Os produtos desse desastre não são homogêneamente distribuídos, bastante imprevisíveis e fortemente transformadores dos parâmetros existentes. Rapidamente, soluções buscam adaptar e mitigar os efeitos. A crise gera soluções que causam externalidades adversas. O planeta se agita em busca de um novo patamar de estabilidade.
Neste contexto de transição a respeito da nossa maneira de habitar este planeta, o Design se coloca como uma peça chave na construção do mundo futuro. Não só as estratégias e tecnologias aplicadas, mas também a maneira como nos organizamos para discutir o futuro comum. Cabe às principais disciplinas que lidam com o tema o desafio de repensar a maneira como produzimos, vivemos e consumimos, enfim, repensar nossa existência neste planeta. E talvez o desafio fundamental desta transformação passe pelo redesign de nossos espaços comuns de pensamento e interação: as rodas de conversa, as estruturas de tomada de decisão. Discutir os conflitos distributivos é fundamental. Estamos todos num mesmo planeta, mas em condições e localizações extremamente injustas. É urgente a necessidade de analisar criticamente as condições desiguais em que as sociedades se encontram hoje e como elas foram produzidas pelo modelo até então vigente.
Talvez, o planeta Terra já possa ser considerado uma peça de design humana, fruto de todas as transformações que fizemos neste sistema. Como nós podemos redesign a Terra?
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Aydam is an architect and urbanist pursuing a MSc in Geography from the Federal University of Rio de Janeiro, who is now based in Saudi Arabia working as a Landscape Consultant. His interests focus on landscape through a systemic and integrated approach between ecology, urban form, open-space systems, and disaster & risk reduction. For him, a multidisciplinary field and a systemic approach are key to face the challenges of today and the future. He agrees that architecture & urbanism need to rethink their paradigms and boundaries to build more equal societies with healthier ecologies.
first published for projektado magazine issue 0: why discuss design today? / january 2021